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Afinal quem decide se está na hora de deixar a fralda?

publicado em 29 Ago. 2024

Teoricamente, o desfralde corresponde ao momento em que a criança está pronta para abandonar as fraldas e controlar adequadamente os esfíncteres (músculos) que impedem a eliminação de urina e fezes de modo involuntário.

 

Portanto, para que isto aconteça terá que existir um processo de maturação ao nível do sistema nervoso central com mecanismos que controlam a componente motora (ser capaz de sentar durante algum tempo, despir e vestir, controlar os esfíncteres e os músculos do pavimento pélvico); a componente neurológica (tomar decisões, ser capaz de compreender o que está a acontecer no seu corpo); a componente social (compreender como se faz na sua cultura, regras específicas destas ações como dirigir-se para um local mais reservado, lavar as mãos…) e a componente emocional (ter um vínculo forte com o adulto que acompanha este processo, sentir-se seguro, confiar no seu corpo e nas suas capacidades).

 

Existe ainda uma convicção muito presente na nossa sociedade, e defendida por alguns profissionais, de que as crianças devem ser “treinadas” para deixar as fraldas. A minha visão é que cada criança tem o seu tempo e o seu próprio ritmo e, se não tiver nenhum problema, este processo, que é fisiológico e faz parte do normal desenvolvimento, irá fluir naturalmente, algures entre os 18 meses e os 3-4 anos de idade, com pouca ou quase nenhuma intervenção do adulto. A criança é o protagonista neste processo, e o adulto deve ser apenas o mediador que auxilia, apoia e prepara a criança para ter consciência do seu corpo, das suas vontades e das suas sensações. Assim, as expectativas, muitas vezes desajustadas, dos adultos e a pressão em relação a este processo em nada me parecem úteis, a não ser com o intuito de simplificar a vida dos adultos. E, infelizmente, isto não acontece apenas em relação ao desfralde, mas também em tantas outras áreas da infância onde o papel do cuidador se sobrepõe ao natural desenvolvimento da criança.

 

Não quero com isto dizer que algumas intervenções dos “treinos do bacio” não resultem ou não possam fazer sentido em alguns casos específicos, cada caso é um caso e cada criança tem as suas particularidades. Mas, na minha opinião, temos muito mais a perder com um desfralde precoce e intempestivo (que acaba por ocorrer muito mais por imitação e para agradar o adulto do que propriamente por ter perceção do que está a acontecer) do que se decidirmos ter paciência e esperarmos pelo momento certo. A criança irá revelar ao adulto um conjunto de sinais que indiciam que está a ficar preparada a nível físico e emocional, como por exemplo interesse em ir ao WC, avisar antes de fazer, fralda seca por longos períodos, interromper atividades para ir ao WC e posteriormente demonstrará intencionalidade – o sinal derradeiro de preparação para o desfralde.

 

Respeitar o tempo do desfralde é garantir o autoconhecimento, a consciência do que está a acontecer, a autoestima e a saúde mental, prevenindo assim problemas a curto e longo prazo, como retenção de fezes, infeções urinárias, perdas de urina e fobias relacionadas com este processo.

 

É urgente criar meios para que as condições se adaptem tanto às necessidades das crianças como daqueles que as acompanham, para que tenhamos lugares cada vez mais respeitadores da infância e do ser humano, em sintonia com os pais.