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Síndrome do intestino irritável: importância da abordagem diagnóstica e terapêutica adaptada a cada caso

publicado em 24 Nov. 2020

A síndrome do intestino irritável (SII) é um dos motivos mais frequentes de consulta em gastrenterologia, estimando-se que atinja cerca de 20% da população nos países desenvolvidos

 

É uma das patologias funcionais do tubo digestivo mais prevalente e é mais frequente em indivíduos com idade inferior a 50 anos, do sexo feminino, com história familiar de SII e antecedentes pessoais de ansiedade ou depressão. É uma entidade benigna crónica, que não causa lesões nos tecidos intestinais, nem está associada ao aumento do risco de cancro colorretal. Contudo, pela intensidade e cronicidade dos sintomas, pode prejudicar a qualidade de vida dos doentes e implicar gastos dispendiosos em cuidados de saúde.

 

Quais os sintomas mais frequentes?
Os sinais e sintomas variam, mas geralmente são crónicos e estão presentes durante longos períodos de tempo, como a dor abdominal, frequentemente desencadeada pela ingestão de alimentos e aliviada pela defecação ou emissão de gases (a dor localiza-se, geralmente, na parte inferior do abdómen); alteração na frequência, forma ou consistência das fezes (obstipação e/ou diarreia); distensão e sensação de gás abdominal; sensação de evacuação incompleta; e muco nas fezes. Os sintomas podem ser desencadeados e/ou agravados por certos alimentos, como trigo, laticínios, citrinos, feijões, repolho, leite e bebidas gaseificadas.

 

Está demonstrada uma associação a outras patologias do tubo digestivo, tais como digestão difícil (dispepsia) e doença do refluxo gastroesofágico, bem como com patologias extraintestinais, por exemplo, a ansiedade, a depressão, a fibromialgia e a dor pélvica crónica.

 

Deverá procurar o seu médico se apresentar alterações nos seus hábitos intestinais ou outros sinais e sintomas persistentes. Estes poderão indicar uma doença mais grave, tal como o cancro colorretal. São exemplos de sinais e sintomas de alarme: emagrecimento, febre, diarreia noturna, hemorragia intestinal, anemia por deficiência de ferro, vómitos persistentes, dificuldade em engolir (disfagia ou odinofagia), dor abdominal persistente que não alivia com a evacuação ou a emissão de gases.

 

Quais são as causas?
A causa precisa é desconhecida. Parecem estar envolvidos vários mecanismos, desde alterações da motilidade intestinal, hipersensibilidade visceral, alterações na microbiota intestinal, estado inflamatório de baixo grau da mucosa, fatores genéticos, infeções intestinais graves prévias e fatores psicossociais.

 

Como se faz o diagnóstico?
A história clínica e o exame físico são fundamentais. A realização de exames complementares de diagnóstico pode ser necessária para se excluírem outras doenças com apresentação clínica similar, dependerá da sintomatologia predominante e poderá incluir análises sanguíneas, análises das fezes, exames endoscópicos do tubo digestivo, exames imagiológicos abdominais, entre outros.

 

O diagnóstico deve ser baseado na aplicação dos critérios de Roma IV: dor abdominal recorrente, em média, pelo menos 1 dia por semana durante os últimos 3 meses, associado a 2 ou mais dos seguintes critérios: 1) relacionada com a defecação; 2) associada a alteração da frequência das fezes; 3) associada a alteração da forma (aparência) das fezes. Início dos sintomas há pelo menos 6 meses.

 

Qual o tratamento?
Estabelecer uma boa relação médico-doente e associadamente informar e tranquilizar o doente constitui a base para o tratamento e o acompanhamento da SII. O plano terapêutico tem por objetivo controlar os episódios sintomáticos. Não são conhecidas terapêuticas curativas ou modificadoras da história natural desta patologia. Sintomas mais leves, geralmente, podem ser controlados com alterações no estilo de vida, como redução do stresse, repouso, exercício físico, aumento da ingestão diária de água e alterações na dieta – eliminando alimentos que agravam os sintomas, a exemplo o leite e derivados, gorduras, café, álcool e bebidas gaseificadas. A ingestão de fibra pode ser aconselhável nos casos de SII com predomínio de obstipação. A fibra aumenta o volume e a humidade fecal, estimulando os movimentos do intestino, contudo, pode aumentar a flatulência. Exemplos de fibras solúveis: psyllium, feijões, lentilhas, aveia; fibras insolúveis: farelo, amendoins, sementes e frutas com casca. Podem ser recomendáveis dietas específicas, como dieta pobre ou isenta em glúten ou dieta pobre em FODMAP (Fermentable oligosaccharides, disaccharides and monosaccharides and polyols).

 

Sintomas severos podem ser tratados com medicação e aconselhamento/tratamento psicológico. Medicamentos podem estar indicados para tratamento sintomático da dor abdominal, diarreia ou obstipação, e no tratamento de sintomas psíquicos. Exemplos: antiespasmódicos, laxantes, antidiarreicos, antidepressivos, analgésicos, probióticos, antibióticos, entre outros.

 

Contudo, a sua eficácia medicamentosa é variável, pelo que só devem ser utilizados após aconselhamento e sob supervisão do gastrenterologista.