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Ser Pediatra da Família: aconselhamento, empatia e proximidade

publicado em 25 Jun. 2025

Na base da vocação de quem escolhe Medicina como profissão para a vida, a empatia deveria ser um requisito obrigatório, mas, sendo impossível de aferir, a seleção é feita exclusivamente através das notas dos exames.

 

Terminei o curso de Medicina em 1999, escolhido porque, para além de boas notas, gostava de ajudar as pessoas. No meu tempo, depois de 6 anos de curso seguiam-se 2 de estágio por várias especialidades. Fui cativada pelos sorrisos das crianças na enfermaria. Mesmo doentes, as crianças sorriem e os seus olhos têm um brilho especial, o da infância. Cinco anos de especialidade confirmaram que ser Pediatra seria a minha missão.

 

Vinte anos depois, alio a voz da experiência à ciência livresca, não só como Pediatra mas como mãe a triplicar. Vinte anos a acompanhar recém-nascidos, crianças e adolescentes até à maioridade. A escutar e aconselhar pais, a receber com alegria não só os outros filhos, nas famílias que foram crescendo, mas também os irmãos, primos e amigos dos pais.

 

Partilho isto, para explicar que também na Pediatria se exerce uma consulta alargada à família, tal como na Medicina Geral e Familiar, especialidades que se complementam nos cuidados à infância e adolescência. Partilho isto para reforçar que cuidar das vossas crianças vai para além de as medicar. Vai muito mais além do que estar na linha da frente das últimas novidades em artigos de puericultura, modas alimentares e conceitos pedagógicos.

 

Também sendo essencial, sem dúvida alguma, estar atualizado – seja em todas essas outras áreas que envolvem a Pediatria, seja nas intervenções farmacológicas quando surgem as doenças.

 

Sem o aconselhamento, num ambiente empático, conceitos indispensáveis em qualquer consulta Médica, mas fundamentais numa consulta que envolve crianças e adolescentes, essa atualização constante por parte dos pais não é suficiente, podendo até ser paradoxalmente excessiva, dado atualmente vivermos num aldeia global: existe muita controvérsia em algumas áreas, e estar sobrecarregado de informação gera mais dúvidas do que certezas.

 

Ser Pediatra exige uma dinâmica de atenção permanente ao que não se verbaliza, de escuta ativa, perguntando muito também, quando se intui que há algo mais por trás da dor de barriga ou de cabeça. É necessário compreender a família nuclear, o ambiente escolar.

 

Implica orientar para as diversas sub-especialidades pediátricas ou outras especialidades médicas ( ex. ORL, Fisiatria, Ortopedia, Pedopsiquiatria), quando necessário em situações específicas de sintomas ou doenças, e também referenciar para as múltiplas áreas complementares da Pediatria, num abordagem holística: Psicologia e as diversas Terapias (Fala, Ocupacional, Osteopatia).

 

Estando há mais de duas décadas dedicada à Pediatria, hoje em dia tenho a certeza que «ser Pediatra» não basta. Concluída a especialidade, é à medida que os anos vão passando, no dia-a-dia das consultas que se adquire um talento diferente, que acrescenta essência à base do Pediatra, apenas conseguido com um espírito de dedicação e proximidade.

 

Porque, e embora por vezes isso implique muitos sacrifícios fora do consultório, estar disponível é também um ponto importante. Não propriamente « estar sempre online para mim», como diz na capa de um bloco de notas que me foi dado por uma mãe, obviamente um exagero na gratidão demonstrada com este gesto de carinho, porque também somos seres humanos, e sem descansar não «funcionamos».

 

Mas sim, estar a maioria do tempo próximo e disponível para clarificar todas as dúvidas à distância, orientar as situações de doença, e ajudar a resolver os problemas que vão surgindo ao longo da travessia da parentalidade. Funcionar como uma equipa, com os pais e os seus filhos.

 

Para mim, ser Pediatra é isso mesmo que escrevi no título deste artigo: é cuidar das vossas crianças para além de as medicar. É ser… uma «Pediatra da Família».

Entrevista in Revista do Minho, junho de 2025