Assisti no dia 27 de junho à palestra do professor Alberto Caldas Afonso, no CMIN Summit 2025 (sobre a sustentabilidade da saúde materno infantil em Portugal), “Presente e futuro da Saúde Infantil”.
Expôs com muita clareza diversos indicadores sobre a evolução e o estado atual a nível de cuidados materno infantis, falando depois do futuro, referindo-se às “megatendências” sociais, do ponto de vista social, económico e ambiental e focando-se no que serão os previsíveis progressos e os desafios com que se irão deparar os profissionais de saúde que lidam com crianças e adolescentes, sendo um destes, o confronto com as consequências da revolução digital em expansão vertiginosa.
Aberta a discussão à audiência, surgiu uma questão sobre a opinião do professor relativamente à possibilidade de os pediatras serem substituídos por médicos virtuais. Como resposta, o professor frisou com convicção que ser pediatra é uma relação que implica muita proximidade.
A empatia, qualidade indispensável na relação médico-doente, é fundamental na pediatria. Citou ainda palavras do Papa Francisco sobre a medicina: “Até a mais avançada, supõe sobretudo um espaço de encontro humano, feito de cuidados, proximidade e escuta”.
É verdade que a IA nos poderá vir a ser mais útil, nomeadamente e como disse o professor, ajudando no layout dos registos clínicos durante uma consulta. Deu o exemplo de Maria, que lhe fez um desenho, o qual só poderia ver quando saísse do consultório. Neste, estavam os pais e irmãos retratados na consulta da menina, ao telemóvel. Do professor só via os olhos: enquanto escrevia estava o monitor entre os dois.
Deixou-me em profunda reflexão, sobre este tema. Que máquina substitui o calor de um olhar e de um sorriso? Por muito competente que seja um chatbot, nunca irá substituir o ato médico:
– Não existe um algoritmo que dê resposta ao que não é dito à partida numa consulta médica. É necessária muita intuição, capacidade emocional e contato humano para se conseguir compreender na totalidade o que pode estar por detrás de um sintoma, quando questões psicossomáticas estão envolvidas – e tantas vezes estão.
– Conhecer a dinâmica da família é outro fator essencial, e já escrevi sobre este assunto, dado praticar pediatria de ambulatório há vários anos, me sentir-me uma “pediatra da família”.
Na sequência do que tem sido tendência atual de debate nesta área, estando a maturar na opinião de José Pina no podcast “Irritações “ do dia 14 de junho, sobre os bebés reborn, surgiu-me a ideia de escrever este artigo, para frisar que a meu ver, a máquina nunca poderá substituir o ser humano. São factos validados que estes bonecos podem ser benéficos, em certos contextos.
Os reborn são bonecos hiper-realistas e ativam estímulos emocionais e sensoriais semelhantes aos de um bebé verdadeiro. Têm sido usados com eficácia terapêutica em várias áreas.
Na psicologia e psiquiatria, para ajudar a lidar com a dor emocional – superar lutos peri e neonatais – sendo ferramentas simbólicas em processos de terapia de trauma, como a ligação interrompida de parentalidade. Na geriatria, por exemplo, em idosos com demência promovendo a calma e a sensação de “cuidar de alguém”. Em perturbações do espectro do autismo, usados como forma de regulação sensorial e emocional – Proporcionam conforto, previsibilidade e segurança emocional. Nestes casos, o uso é supervisionado por profissionais de saúde e claramente reconhecido como simbólico, com o devido acompanhamento psicoterapêutico.
Um adulto sem patologia pode ter afeto por um reborn sem problema, mas deve manter clara a distinção entre um boneco e um bebé vivo. Quando há sinais de confusão com a realidade é sinal de que há sofrimento emocional. Uma substituição afetiva de uma relação humana pela relação com um boneco, com apego intenso, um vínculo excessivo num adulto saudável é patológica, e reflete uma procura de preenchimento afetivo num contexto de isolamento social crescente.
Quando a pessoa não reconhece que o reborn é um boneco, há risco de dissociação da realidade. E isto já se verifica noutros países, de tal forma que se simulam partos, batizados e aniversários para os reborn. Têm certidões de nascimento.
Já se chegou ao ponto de, tal como veiculado em redes sociais, uma “mãe” chorosa mostrar a sua indignação porque o seu boneco, a arder em febre, não foi atendido numa urgência pediátrica para crianças humanas. Isto é de facto “sinistro”, como se afirmou no podcast. Este comportamento sugere a necessidade de apoio psicológico, mesmo que não haja doença diagnosticada.
Esta tendência ainda não se tornou viral entre nós, mas na aldeia global isto é uma questão de tempo. Daí a pertinência deste assunto. No final da palestra do professor Caldas Afonso, enquanto se falava sobre como a relação médico humano- doente humano é insubstituível, tive uma ideia que pode ser a “solução” para estes “pais”.
Não retirando a seriedade ao assunto, pois sou de opinião que estes “pais”, que não são pais, precisarão de apoio psicoterapêutico e devem ser encaminhados, como qualquer ser humano merecedor de respeito e empatia.
Os “pais dos reborn, podem consultar um pediatra chatbot. E nós, os pediatras humanos, cuidaremos das crianças de carne e osso. Acima de tudo, que se separem as águas, e não se misture nunca o que é humano com o que é virtual.
Entrevista in CNN Portugal 28/6/25