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Dr.ª, só queremos o melhor para o nosso filho

publicado em 29 Set. 2023

Desde que me dediquei a ser médica de crianças, passadas já duas décadas, ouço esta frase vezes sem conta. E ainda bem, porque estranho seria ouvir o contrário…

 

Num mundo cheio de possibilidades, numa ciência humana como é a Pediatria (e, consequentemente, menos exata), não é fácil uma definição objetiva do que é o melhor para os vossos filhos, aliás é impossível. Afirmo-o como médica, e como mãe.

 

Para complicar, existe um manancial de informações excessivo e inesgotável, ao vosso dispor, à distância de um simples clique. E as opiniões divergem, sobre qualquer assunto que seja alvo das vossas dúvidas ou preocupações… Ou seja, o que parece aparentemente simples, “o melhor para os filhos”, é na verdade muito complexo.

 

E para dificultar exponencialmente encontrar o que é realmente “o melhor”, é preciso ter em conta que todos os seres humanos são diferentes – seja a nível físico, psíquico ou de individualidade.

 

A escalada da complexidade continua, se pensarmos que a criança é um ser em crescimento e desenvolvimento, cujo ritmo é muito variável… (e aqui friso bem que comparações com filhos de amigos, primos e até irmãos, ou colegas de jardim de infância ou escola, não fazem sentido nenhum).

 

Apesar de tudo isto, compreendo perfeitamente que me formulem este pedido, porque é o que quero também para os meus próprios filhos.

 

Porque quando me colocam o vosso filho nas mãos, entendo o vosso ponto de vista: estão a confiar em alguém que, na primeira vez que o fazem, apenas sabem que tem qualificações médicas para cuidar dos vossos filhos.

 

Desconhecem que o vosso desejo é o meu também, procurar o melhor para os vossos filhos, desde que me tornei Pediatra. E que tento fazê-lo sempre, apesar de nós, médicos, sendo seres humanos, também termos dúvidas e medo de errar.

 

Com a experiência de muitos anos de prática, aprendi a lidar com isso de várias formas, como por exemplo, pedindo opiniões a colegas com outras diferenciações, em situações de possibilidade de diagnóstico de doenças que implicam avaliação por subespecialidades, porque a especialidade pediátrica é um mundo muito amplo.

 

Explicando os “sinais de alarme” aos quais os pais devem estar atentos e que podem implicar uma evolução menos favorável no caso de uma doença, e de como agir nessa situação. E mesmo em consultas de Saúde infantil, de rotina, na Pediatria “jogamos pelo seguro” – quando surgem sinais que devem ser valorizados fazemos rastreios, porque prevenir é melhor do que remediar.

 

Mas, não devemos cair em extremos e praticar a chamada “medicina defensiva”, em que se pedem exames desnecessários, sujeitando os meninos a picadas de agulhas ou radiações que poderiam ser dispensadas, aguardando e vigiando… Claro que tudo depende das situações em si.

 

Embora esta gestão de quando fazer os exames muitas vezes seja difícil, porque a comunicação social se encarrega tantas vezes de empolar os casos de situações raras, com desfechos graves, o que assusta muito os pais gerando uma ansiedade que impede um pensamento claro.

 

Um apontamento sobre os primeiros meses do bebé, numa época em que os pais podem ser induzidos a seguir as últimas tendências, porque é isso que supostamente os define como “bons pais”:

 

– como escolher o melhor leite, chupetas, biberões, alimentos para começar a introduzir sólidos, calçado, roupa a vestir conforme o clima, produtos de higiene, berços e cadeiras, formas de estimular o bebé?

 

E porque inevitavelmente se estabelecem comparações (faz parte da natureza humana):

 

– porque ainda não “assentou, adentou, andou, falou”, o meu bebé, se “todos” na idade dele já o fizeram?

 

Relativamente a estas questões, a minha sugestão é que escolham alguém com quem sintam empatia e à-vontade, para acompanhar o vosso filho. Porque existem diferentes respostas para muitas destas perguntas, e várias corretas e muitas vezes é necessário fazer tentativas, sendo o próprio bebé a fazer certas escolhas, em muitas situações só podemos tentar orientar.

 

Porque o melhor para os vossos filhos implica um voto de confiança no médico que escolhem, mas também na vossa intuição como pais. E todas estas questões aparentemente fulcrais, vão perdendo importância com o passar dos anos, sendo substituídas por milhares de outras.

 

– o nosso filho é distraído na escola, tem medos, come pouco, come demais… e, na fase da adolescência, o nosso filho não sai do quarto, só quer estar na rua com amigos, não comunica connosco, está triste, não quer estudar …

 

Para amenizar a sensação de que a parentalidade é um bicho-de-sete-cabeças, que pode ficar pelo que escrevi, vos digo que na maioria dos casos, tudo é mais fácil do que parece.

 

O melhor para o vosso filho, é uma descoberta passo a passo, conforme as situações forem surgindo. Com o apoio de alguém que vos escute e oriente, e sem ligar o complicómetro.

 

A meu ver, todas as dúvidas dos pais, são importantes, válidas e pertinentes, mas não esperem respostas absolutas para todas as vossas questões, porque não as irão encontrar.

 

O melhor para os nossos filhos é, no fundo, um crescimento globalmente saudável, gerindo os percalços em tempo útil, com sensatez, e responsabilidade, permitindo a expressão plena das capacidades individuais, físicas e psíquicas, e educando, com uma boa dose de paciência, atenção, e tempo de qualidade em família, e o máximo de carinho e afeto, para que na idade adulta sejam seres humanos felizes e bem integrados em sociedade.