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Querem ser os melhores pais do mundo?

publicado em 16 Jun. 2025

Se querem ser os melhores pais do mundo, já são ótimos pais…

 

Infelizmente nem todas as crianças têm a sorte de nascer no seio de uma família acolhedora. E ser um bom pai/mãe não implica necessariamente um conceito de família tradicional: conheço vários pais que, sozinhos, criam os seus filhos de forma admirável.

 

Não se sintam culpados, se pelas voltas que a vida dá não proporcionam uma família “instagramável” aos vosso filhos.

 

Não é isso que importa, nem é isso que eles precisam, ou apreciam. Tirando as aberrações contra-natura, a grande maioria dos pais ama incondicionalmente os seus filhos, e como tal quer o melhor para eles.

 

Mas a perfeição é inalcançável, e procurá-la gera ansiedade, sentimentos de culpa sem sentido, e sem benefícios para os vossos filhos.

 

Numa época em que a nível profissional as exigências são enormes, é difícil conseguir um equilíbrio com a vida familiar. Priorizar, como pais é uma aprendizagem.

Há séculos que se comparam os filhos com os dos outros

Na vida em sociedade, compara-se tudo, em maior ou em menor grau, dependendo tanto da inexperiência em idades jovens, como da insegurança; se com bom senso, aferir com pares pode ser benéfico. Em excesso, gera uma insatisfação que pode ser nociva. No caso da parentalidade, desperta sentimentos de culpa injustificáveis: cada bebé, criança ou adolescentes são seres únicos; cada família tem os seu hábitos; o padrão de rotinas de cada um é muito diferente.

 

Ou seja, se o filho de uma amiga já fala ou anda, e o vosso não, excepto em situações de atrasos patológicos, isso não interessa para nada. Crescer não é uma competição.

 

Aprender infelizmente é-o, em parte, pois a forma de se conseguir uma profissão que proporcione um futuro estável e feliz, passa inevitavelmente pelo escalonamento através das notas escolares. Comparar para melhorar é saudável, comparar para tentar serem os melhores pais ou terem os melhores filhos é doença.

As dúvidas sobre os filhos num mundo globalizado

Delicado, este assunto.

 

Quando a internet cresceu exponencialmente de forma a estar ao alcance de todos, o boom de informação disponível levou os pais a consultarem o Dr Google. Disse vezes sem conta para não o fazerem, em consultas, porque, e falando de doenças, para além de informações falsas, surgem resultados de pesquisa assustadores.

 

É preciso muita teoria aliada ao treino na prática clínica para a triagem correcta das fontes de informação ao dispor. Para agravar a situação, já não sendo suficientes os conselhos de avós, familiares e amigos (bem intencionados mas nem sempre os mais adequados), com o aparecimento dos grupos de mães em rede, surgiu, muitas vezes, a falsa sensação de que ali se obtêm respostas correctas para tudo.

 

E se se acrescentar essas respostas aos conselhos dos influencers peritos em parentalidade, então praticamente “ir ao pediatra nem seria necessário”. Tudo com peso e medida. Grupos de pais são muito úteis para apoio em pequenas questões, e para sentirem algum grau de solidariedade, compreendendo com pais que já passaram pelos mesmos problemas que não são os únicos, ganhando coragem e motivação em dias mais cinzentos.

 

Mas se estiverem atentos, nas caixas de comentários encontram-se muitas vezes respostas contraditórias.

Os melhores pais levam os seus filhos aos melhores pediatras

Eis um aspecto a reflectir com ponderação. Quem são os melhores pediatras? Os que têm mais likes em redes sociais? Os mais recomendados em grupos de pais? Os de agenda mais cheia ou com mais fama na vossa região?

 

Aqui, vou apenas dar a minha opinião. Eu não sou a melhor pediatra do mundo, nem da minha região. Nem pretendo ser, porque esse conceito também não existe. Ao longo de todos estes anos como pediatra, pessoalmente assumi como prioridade tentar ser o melhor possível em termos de competência profissional, dentro das minhas limitações como ser humano – nenhum profissional de saúde “sabe tudo”, e não me parece que a IA vá substituir o contacto humano na pediatria.

 

Quando tenho dúvidas, referencio para colegas, porque a pediatria divide-se em inúmeras subespecialidades. Essencialmente julgo ser fundamental ser responsável, privilegiando acima de tudo a empatia, a escuta, a atenção, o carinho e a acessibilidade. Lidar com famílias é muito delicado, e em cada idade é necessário uma abordagem e linguagem próprias para conseguir cuidar adequadamente de bebés, crianças e adolescentes.

 

O melhor pediatra para os vossos filhos, cabe-vos a vós decidir, quem vai ser, à medida que os levam às consultas. É um facto que ter uma referência ajuda, mas escolher pode até implicar experimentar mais do que um, exceto quando sentem uma empatia imediata, que por vezes surge logo numa primeira consulta.

 

Mas não esqueçam que a medicina não é uma ciência exata, é uma ciência humana, e neste campo a pediatria ainda é mais exigente.

Para serem bons pais, devem também cuidar da vossa saúde

Colocando de parte a utopia de serem os melhores pais do mundo, não se esqueçam de cuidarem de vós próprios, não só a nível de saúde física como mental. Quantas mães já observei em privação de sono, na fase de amamentação ou ao regressarem ao trabalho, quando muitas vezes os bebés regridem no sono por saudades… Quantos pais se culpabilizam por não conseguirem decalcar tudo o que é apresentado virtualmente como ideal para um crescimento e desenvolvimento saudáveis.

 

Quantos pais se auto penalizam quando na adolescência surge o insucesso escolar ou, pior as alterações graves de comportamento…Sejam mais tolerantes convosco e encontrem tempo e espaço para respirar e fazerem coisas que vos dão prazer, recarregando as baterias.

 

Porque, para os vossos filhos, tirando a fase da adolescência com o típico comportamento de desafio e oposição, em que os pais “deixam de ter razão”, vós já sois os melhores pais do mundo! E não é isso que importa?

Entrevista in Correio do Minho 31/05/25