Golos, remates, assistências, passes, dribles, defesas, cartões, faltas. Dos fanáticos por futebol aos entusiastas mais moderados, todos adoram pesquisar as estatísticas dos jogadores. Já a maioria dos adeptos ocasionais prefere focar-se no desempenho em campo e não tiram os olhos dos atletas da sua equipa favorita antes, durante e depois dos jogos.
Se faz parte dos dois últimos grupos, provavelmente está menos atento às inovações tecnológicas da modalidade, mas já pode ter reparado que alguns futebolistas utilizam um acessório peculiar sob as camisolas. Em ocasiões de euforia, quando marcam um golo ou celebram uma vitória, alguns atletas retiram as T-shirts e lá está ele: uma espécie de soutien desportivo, justo, normalmente preto.
O que é este acessório?
O acessório pode gerar alguma confusão entre os espectadores que não estão habituados a vê-lo, mas é cada vez mais comum. Embora pareça um simples top para conferir suporte peitoral, é um dispositivo bem mais complexo. Trata-se de um colete equipado com um rastreador GPS.
O dispositivo é conhecido como sensor de monitorização da atividade física e existem várias versões disponíveis no mercado, algumas simples, outras bastante sofisticadas.
“No campeonato português de futebol são utilizados os mais recentes. Conseguem registar a frequência cardíaca, a distância total percorrida pelo atleta durante o jogo, acelerações e desacelerações, bem como a distância em sprints e a velocidade máxima alcançada.”
Para que servem estes coletes?
De forma simplista, podemos dizer que os coletes permitem recolher “mais dados estatísticos”. Porém, não servem apenas para fornecer argumentos às picardias entre adeptos. Permitem recolher uma série de informações valiosas sobre o desempenho dos atletas durante os treinos e jogos. Apesar de não passar despercebido, o acessório não interfere no rendimento do jogador — o sensor posicionado entre as omoplatas pesa cerca de 70 gramas.
A tecnologia foi inicialmente desenvolvida pela Catapult Sports, fundada em 2006, com o objetivo de maximizar o desempenho dos atletas olímpicos australianos. Contudo, o colete só foi utilizado pela primeira vez, numa situação real, em 2014, durante um jogo de rugby, na Austrália.
Quando foi lançada, a tecnologia era apenas utilizada pelos futebolistas durante a pré-época porque a FIFA não permitia que fosse usada em competições oficiais. A autorização só chegou um ano depois, em 2015, e abriu caminho para o surgimento de mais empresas que produzem este tipo de coletes, como a STATSports, a PitcheroGPS, a PlayerData, entre outras.
A principal vantagem da utilização do dispositivo de rastreio por GPS — a capacidade de monitorizar o esforço físico dos jogadores em tempo real — acabou por se tornar um divisor de águas.
Com as informações recolhidas, os treinadores e equipas técnicas passaram a analisar as performances de forma mais precisa e minuciosa. Os dados permitem avaliar a performance de cada jogador, mas também compreender como se integram no coletivo da equipa. Isto é fundamental para identificar pontos fortes e fracos, otimizar os treinos e, consequentemente, melhorar o desempenho em campo.
“Os aparelhos mais avançados transmitem os registos em tempo real, mas, normalmente, são analisados no final da partida, quando o jogador os retira.”
Que informações fornecem?
Outra das mais-valias dos coletes tem a ver com a prevenção de lesões: a monitorização constante do esforço permite identificar os primeiros sinais de fadiga e possibilita a intervenção antecipada para evitar a sobrecarga do jogador.
Além do aspeto físico, os dispositivos de GPS também fornecem informações táticas relevantes. O posicionamento dos jogadores, as zonas do campo mais exploradas e a interação entre os atletas são dados que podem ser analisados para definir estratégias e ajustar a formação da equipa, nalguns casos, em tempo real — o que pode fazer a diferença em partidas decisivas e em competições de alto nível.
De que forma a utilização de coletes com tecnologia GPS influenciou o desempenho competitivo das equipas de futebol?
Muitos especialistas consideram que a adoção generalizada dos coletes entre as equipas da Premier League — atualmente é utilizado por três quartos dos clubes que disputam o campeonato britânico — foi a grande responsável pelo elevado patamar competitivo do campeonato britânico.
Arsenal, Aston Villa, Chelsea, Liverpool ou Manchester United são apenas alguns dos clubes britânicos que já não dispensam a tecnologia GPS, mas não são os únicos. Barcelona, Real Madrid, Ajax, Borussia Dortmund e muitos outros também recorrem aos coletes, bem como inúmeras seleções. No fundo, tornou-se uma ferramenta indispensável para as equipas mais competitivas do mundo.
Em Portugal, o Sporting foi o primeiro clube a utilizá-los durante os treinos, em 2011. Entretanto, o seu uso já se expandiu a toda a Primeira Liga. Em média, para equipar todo o plantel, é necessário investir cerca de 50 a 60 mil euros. Contudo, o preço dos aparelhos não é único fator que determina o recurso a esta tecnologia.
Como o uso de dados em tempo real durante os jogos pode influenciar as decisões dos treinadores?
A interpretação dos dados requer conhecimento técnico e uma análise criteriosa, uma vez que números isolados podem não refletir a realidade do jogo de forma completa. Além disso, é necessário equilibrar o uso dos dados com a intuição e a experiência dos treinadores.
Naturalmente, os técnicos têm perfis e estilos diferentes, alguns dão mais ênfase à análise estatística do que outros. “Os clubes só o adquirem se quiserem. Se o fizerem, todos os jogadores o devem utilizar para haver um registo coletivo de qualidade”.
Se a análise da informação recolhida pelos sensores durante os treinos e jogos revolucionou a preparação das equipas, tornando-as mais competitivas, o nível de exigência está prestes a atingir um patamar impensável.
Em 2021, os clubes da Premier League passaram a ter permissão para usar dados ao vivo durante os jogos. Na prática, isto significa que os treinadores podem tomar decisões mais fundamentadas que podem alterar a dinâmica da partida em poucos minutos. Permite, por exemplo, escolher quais os jogadores a substituir e até mudar radicalmente de estratégia, com base nas posições de cada jogador e a maneira como está a desempenhar o seu papel.
Contudo, os ganhos de competitividade não se resumem ao futebol, podem ser obtidos em muitos outros desportos, especialmente os de equipa. “É mais comum ser visto no futebol, mas o equipamento está disponível para utilização em várias modalidades”.
Entrevista in Revista NIT (11/08/24)