A palavra Psiquiatria deriva do grego e quer dizer “arte de curar a alma”.
A origem da Psiquiatria como parte da medicina, remonta à antiguidade, cerca de 30 séculos antes de Cristo, com raízes no Antigo Egipto, China e Índia, sendo que nesta última, extracto de Rauwolfia serpentina (contendo reserpina e conhecida como o primeiro psicofármaco), era usado no tratamento da “insanidade” desde há cerca de 3000 anos.
Cinco séculos antes de Cristo, Hipócrates continuou as noções desses países, com a criação concetual dos 4 Humores (sangue, bílis, linfa e fleuma) e dos aforismas referentes ao delírio, à mania, à frenite e à melancolia. Galeno, por sua vez, no início da era Cristã, elabora o conceito de Histeria, como doença tanto do da mulher, como do homem.
Influências da filosofia grega, levaram ao desenvolvimento dos conceitos de imaginação, juízos, raciocínio e memória, conceitos esses, continuados pela era do Cristianismo, na pessoa de Santo Agostinho, que se dedicou ao estudo da memória e da consciência e que marcou a sua influência no desenvolvimento da psicanálise e na fenomenologia.
No segundo milénio do Cristianismo, foram criados os Hospícios, Asilos (Geel na Bélgica e o Bethlem Royal Hospital em Londres), baseados na crença de que a doença mental era sobrenatural e um “castigo divino”, dando origem a uma época conturbada, com a mão da Inquisição, e a “caça às bruxas”, com a execução de rituais como os exorcismos (de referir o livro – Malleus Maleficarum, ou Martelo das Bruxas, de 1448, escrito por dois padres dominicanos – Heinrich Kraemer e James Sprenger).
Mais tarde, Johann Weyer (1515-1588), médico holandês, escreveu o De Praestigiis Daemonum et Incantationibus ac Venificiis, que postulava as doenças mentais, não como um fenómeno sobrenatural, mas como alterações da mente, e que as feiticeiras precisavam ser tratadas como doentes psíquicos.
No século XVII, com o desenvolvimento contínuo da medicina e fármacos associados à mesma, Thomas Sydeham descreveu os efeitos dos opiáceos e teceu considerações sobre doenças, como a coreia aguda, a mania e a histeria, concomitantemente com Thomas Willis, que se debruçou sobre o Polígono de Willis, a paralisia geral (sífilis), a miastenia e alguns casos de jovens que na puberdade entravam em “estupidez”, aquilo que clinicamente viria a corresponder ou a ser designado, anos mais tarde, por esquizofrenia.
Não obstante, do ponto de vista clínico, os doentes mentais continuavam à margem da sociedade e tratados em Hospitais Gerais de forma desconsiderada.
No auge da revolução Francesa, e com o advento cada vez mais auspicioso da ciência, Philippe Pinel lança a primeira tentativa de classificação das doenças mentais, agrupando-as em Manias (delírios gerais), Melancolias (delírios exclusivos), Demências e Idiotas, além de também introduzir e tecer considerações sobre os conceitos de moral e de liberdade.
No século XVIII, William Cullen cria o termo neurose, como hoje o concebemos, sendo a segunda metade desse século, marcada por um período de desenvolvimento conhecido como a “Psiquiatria Ilustrada”, enxertado na figura de Immanuel Kant (criador da Filosofia Transcendental), que nos séculos XIX e XX, viria a influenciar as Escola Francesa e Alemã de Psiquiatria e nomes como Alois Alzheimer, Theodor Meynert, Carl Wernicke e Arnold Pick, bem como dois dos nomes mais proeminentes da Psiquiatria: Emil Kraepelin e Sigmund Freud.
No início do século XX, inicia-se o advento da Psiquiatria – sob a égide de Freud, enfatiza- se a psicanálise, a noção de síndrome e a criação do conceito de Esquizofrenia (por Eugen Bleuler), substituindo o termo Demência precoce de Morel. Karl Jaspers (1913), entusiasta da fenomenologia, elabora uma metodologia sistemática para abordar as doenças mentais. Kurt Schneider e Egas Moniz (português e discípulo de Schneider), deixam também o seu inquestionável contributo, nomeadamente na história da psiquiatria Alemã e Portuguesa.
Em meados do século XX, dá-se finalmente, o advento da psicofarmacologia (aparecimento dos primeiros psicofármacos com indicações específicas para as doenças mentais), e doenças como a Doença Bipolar, a Depressão e a Esquizofrenia, começam a ter tratamento farmacológico e a poderem ser finalmente controladas, auferindo aos doentes mentais uma qualidade de vida até então impossível.
Nessa linha de pensamento, em Portugal, nomes como Barahona Fernandes e Pedro Polónio, marcaram a história da Psiquiatria, nomeadamente com a criação da terapia ocupacional em psiquiatria e a experiência comunitária de terapia de grupo, no Hospital Miguel Bombarda, que, sob a égide de Fernando Medina, viria a propagar-se para outras instituições hospitalares – inicia-se assim a época moderna da psiquiatria em Portugal.
Atualmente, a Psiquiatria é uma das especialidades médicas mais difundidas por Portugal e em todo o Mundo, responsável pela avaliação, diagnóstico, tratamento e reabilitação, das chamadas “Doenças Mentais e do Comportamento Humano”, sendo os seus profissionais, Médicos Psiquiatras. A avaliação psiquiátrica, além de uma avaliação médica geral (devido à influência das condições médicas gerais e/ou físicas, no comportamento humano e no desenvolvimento natural das perturbações mentais), envolve o exame do estado mental (EEM), a história clínica psiquiátrica (anamnese), testes neurológicos, neuropsicológicos e psicológicos, exames físicos e laboratoriais, bem como exames de imagem (Ressonância Magnética, Tomografia Computorizada, Eletroencefalograma, Tomografia por Emissão de Positrões, etc.,). Medicamentos psiquiátricos, também chamados de psicofármacos, fazem parte do arsenal terapêutico que é único na psiquiatria, bem como procedimentos não farmacológicos como a Eletroconvulsivoterapia, a Estimulação Magnética Transcraniana e a Estimulação Cerebral Profunda (as chamadas Terapias Somáticas).
A Psicoterapia, faz também parte do arsenal terapêutico á disposição do psiquiatra, embora também possa ser utlizada por outros profissionais de saúde mental, não médicos, como os psicólogos, sendo esta prática muito divulgada e utilizada atualmente.
Além disso, na formação do psiquiatra são também fundamentais conhecimentos de medicina interna, neurologia, radiologia, neurorradiologia, psicologia, sociologia e farmacologia, a completar a psicofarmacologia. De referir que, das doenças psiquiátricas/mentais mais proeminentes deste século, destacam-se em particular a ansiedade, a depressão, o stress e o burnout, que cada vez mais assolam a população a nível mundial, também como consequência da conjetura da sociedade atual, quer a nível cívico, quer a nível laboral, entre outras mais.
Contudo, devido à conotação negativa associada a vir ao psiquiatra e ao seguimento em consulta de psiquiatria, difundida na gíria como a especialidade médica para “tratar malucos”, muitas destas doenças evoluem para um estado avançado, onde as pessoas apenas procuram ajuda quando já não veem outra alternativa, em vez de procurarem a psiquiatria como modelo de prevenção e melhoria da sua vida pessoal e socio laboral, pelo que ainda existe um longo caminho a percorrer no desenvolvimento da psiquiatria e no desmistificar deste estereótipo, com vista à educação para a saúde e à promoção da saúde mental. Como dizia o antigo Presidente da República Jorge Sampaio, “Educar é despertar, ser cidadão é estar desperto”.