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Surto psicótico: sintomas, tratamento e prevenção

publicado em 30 Jun. 2022

O conceito de surto psicótico pode ser resumido a uma frase que evidencia a sua caraterística nuclear: perda do contacto com a realidade partilhada socioculturalmente. Por outras palavras, significa que a pessoa doente deixa de ser capaz de compreender a sua nova realidade à luz do entendimento e juízo crítico partilhado pela família, amigos e restante sociedade, podendo inclusive deixar de se reger pela razão ou lógica.

O delírio é um dos sintomas mais frequentemente encontrados. Este traduz-se por uma ideia ou convicção plena de certeza, irrebatível pela argumentação lógica, que não se esvanece pela confrontação com evidência contrária à crença.

A título de exemplo, o doente pode ter a certeza absoluta de que o seu coração deixou de bater, ideia que mantém mesmo após ser informado da impossibilidade fisiológica de permanecer vivo em paragem cardiovascular ou mesmo após lhe ser mostrado o coração a bater através de um ecocardiograma, encontrando justificações alternativas que corroboram o seu delírio (p.e., o ecógrafo foi adulterado).

A atividade alucinatória é outro sintoma igualmente importante, que frequentemente acompanha e sustenta o delírio. Por definição, é uma perceção sem objeto, que não sendo uma ilusão ou um construto da imaginação ocorre no mesmo tempo e espaço que as perceções verdadeiras, podendo ocorrer em qualquer órgão sensorial (audição, olfato, palato…).

O doente pode sentir-se importunado por vozes que conversam com, ou sobre o próprio, mesmo morando sozinho, ou caso more acompanhado, consegue diferenciá-las das vozes de familiares, e estes por sua vez não as ouvem.

 

Enquanto entidade clinicamente relevante, o quadro tem impacto significativo em vários domínios do funcionamento do doente, em particular nas relações familiares e sociais, bem como no desempenho académico ou profissional. Em situações graves, pode levar a desorganização importante do comportamento, agressividade não motivada, comportamentos repetitivos sem finalidade aparente, alteração sustentada do ciclo sono-vigília, isolamento e desinteresse nas interações sociais ou negligência para os autocuidados (higiene/alimentação).

A síndrome descrita está associada a diversas condições clínicas, em particular à esquizofrenia, depressão, doença bipolar, psicose secundária ao uso de substâncias psicoativas e a quadros médicos não estritamente psiquiátricos como doenças autoimunes, neurodegenerativas, neoplásicas, entre outras.

Dada esta pluralidade etiológica, o quadro carece de uma avaliação atempada e frequentemente multidisciplinar, para se obter um diagnóstico preciso e se implementar o tratamento adequado. Relativamente ao tratamento, deve referir-se que as opções atuais apresentam um perfil de segurança e tolerabilidade muito superiores aos de primeira geração, garantido a eficácia terapêutica sem acarretar efeitos secundários significativos, como sonolência excessiva ou lentificação marcada do pensamento ou da destreza física

Quanto à prevenção e ao prognóstico, é atualmente consensual que quanto maior o tempo de psicose não tratada, pior será o prognóstico, pela maior dificuldade em controlar sintomas e resistência ao tratamento, podendo levar a sintomas residuais, realçando mais uma vez a importância da avaliação atempada. Por outro lado, a adoção de um estilo de vida saudável com abstenção de consumos de substâncias psicoativas parece ser um fator protetor para algumas formas de psicose, como a esquizofrenia.