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Serei viciado no Jogo? Psicóloga explica critérios, consequências e tratamento

publicado em 18 Set. 2023

O jogo é uma atividade que se tem vindo a generalizar, tornando-se uma forma de diversão e lazer cada vez mais acessível, sobretudo devido ao desenvolvimento abrupto das plataformas de jogo online. Embora seja uma atividade que, para muitas pessoas, se associa a um momento de lazer e de convívio saudável a verdade é que os problemas de dependência do jogo têm vindo a aumentar.

Mas, afinal, o que é ser viciado no jogo?

Quando o jogo se torna um hábito recorrente, que interfere na rotina do indivíduo, assim como nas relações familiares, interações com amigos e na produtividade na escola ou no trabalho, estamos perante um caso em que o limite do lazer e diversão foi ultrapassado e provavelmente trata-se de um caso em que o jogo é patológico.

 

Segundo a Associação Americana de Psiquiatria, o jogo patológico é considerado um problema psicológico, que pode ser definido como o comportamento de jogo ou aposta repetido e problemático, que causa angústia ou problemas significativos na vida do jogador.  Reconhecido pela OMS como doença, o jogo patológico reflete a incapacidade de a pessoa controlar o hábito de jogar, apesar de todos os inconvenientes que a prática possa causar, tanto a nível pessoal, como financeiro, familiar e/ou profissional.

 

A adição ao jogo é uma adição comportamental, na qual não existe o uso de uma substância mas existe uma compulsão para a realização de determinados comportamentos.

 

Existem alguns sinais que podem ajudar a identificar este tipo de comportamento problemático como raiva e/ou frustração por ter de parar de jogar; tentativas frustradas constantes de redução do tempo dedicado ao jogo; progressiva incapacidade de resistir ao impulso de jogar; abandono de atividades rotineiras e/ou afastamento social e desinteresse face a atividades sociais e laborais em detrimento da atividade de jogar, ausência ou diminuição de interesse nas realizações da vida pessoal real;  alterações de humor quando privado de jogar; mentiras constantes relativas ao não jogar e às quantias despendidas, necessidade cada vez maior de jogar, entre outros.

 

Em suma, ter um vicio em jogo pressupõe a existência de uma contínua ou periódica perda de controlo em relação ao jogo.

 

Importa referir que não surge de forma abrupta, podendo falar-se no que se designa das fases do ciclo do jogo patológico.

As Fases do ciclo do jogo patológico e características inerentes

Na primeira fase, teoricamente denominada fase da vitória, a “sorte inicial” vai sendo interpretada pela habilidade de jogar, sendo que as vitórias se tornam cada vez mais excitantes, o que leva a um otimismo não realista, que proporciona o aumento da frequência de jogar. A perda, nesta fase, é encarada com grande sofrimento.

 

Na fase seguinte (da Perda), o jogador aumenta o tempo de jogo e, consequentemente, o dinheiro investido no mesmo, na tentativa de compensar o prejuízo, comprometendo o salário, economias e poupanças familiares. Tipicamente, o dinheiro ganho com a modalidade de jogo é utilizado para (re)apostar no jogo. Neste período, é sentido um afastamento significativo por parte da família e amigos. No período em que a pessoa se confronta com o montante avultado da dívida, verifica-se uma vontade e um esforço conscientes para a solucionar e recuperar o prejuízo económico e familiar, assim como a reputação junto dos familiares e amigos. Não obstante, é típico não conseguir controlar o impulso crescente de jogar e, muitas vezes, por desespero (Fase do Desespero), pode ser uma fase em que são selecionados recursos ilegais para a obtenção de dinheiro, podendo, inclusive, instalar-se estados depressivos acentuados, assim como pensamentos suicidas.

As consequências

O vício do jogo pode trazer diversas consequências para a pessoa e para aqueles que a rodeiam. Algumas das áreas mais afetadas por este vício são o funcionamento psicossocial, a saúde física e mental.

 

As pessoas que sofrem do vício do jogo podem, devido ao problema que têm com o jogo, enfrentar consequências sociais e interpessoais, podendo perder relacionamentos importantes com amigos ou familiares, devido à negligência e ausência de investimento nos mesmos. Estes problemas e conflitos podem ser consequência de, por exemplo, a pessoa mentir para encobrir o seu problema de jogo patológico, por agregar dívidas ou recorrer a empréstimos devido ao jogo, ou mesmo por retirar / roubar dinheiro a pessoas próximas para poder apostar e jogar. Por seu turno, a exclusão social é, muitas vezes, resultado de toda a problemática, também devido ao facto de a pessoa viciada no jogo apresentar dificuldade em envolver-se em conversas sobre outros assuntos que não o do jogo.

 

O mundo laboral também é uma área afetada quando a pessoa tem um vício de jogo, devido às faltas injustificadas recorrentes, para poder jogar ou tratar de questões inerentes ao jogo, assim como devido ao desempenho prejudicado, por jogar durante o trabalho, ou por se encontrar persistentemente a pensar no jogo.

 

Por sua vez, as consequências físicas passam também a ser evidentes: privação de sono, cansaço e elevada irritabilidade podem ser alguns dos exemplos.

Tratamento

Qualquer adição é uma doença crónica; não obstante, com um tratamento adequado, é possível readquirir níveis de funcionamento anteriores  e alcançar um funcionamento saudável e equilibrado. Uma vez que a adição ao jogo é uma perturbação multifatorial, também o tratamento deve ser multidisciplinar e integrado, com um plano adaptado para cada pessoa. Neste sentido, lembre-se que o jogo patológico é uma problemática cujo tratamento é desafiante, no entanto, com ajuda especializada, é possível obter progressos significativos, que se traduzam numa melhoria da qualidade de vida e bem-estar psicológico do próprio e dos que lhe são próximos.

 

A psicoterapia através de estratégias de diferentes abordagens psicoterapêuticas, permite a adoção de novas formas de olhar a realidade circundante e restruturar as crenças disfuncionais face ao jogo, nomeadamente em relação ao modo como a pessoa viciada no jogo pensa sobre a aleatoriedade, a sorte e a habilidade, que a levam a sobrestimar a probabilidade de vitórias, assim como dificultam a abstinência. Deve ainda contemplar uma vertente psicoeducativa e de gestão emocional. A dificuldade na identificação e processamento das emoções é um tema central e transversal no campo das adições comportamentais.  Um aspeto importante a ser trabalhado é perceber que função o jogo desempenha na vida da pessoa e que lacunas está a colmatar, para que seja possível aprender, ao longo do processo terapêutico, a gerir as suas necessidades de um modo mais saudável e equilibrado. É também necessário ajudar a encontrar novos recursos para reorganizar e reestruturar as diversas áreas de vida afetadas e adquirir estratégias de prevenção à recaída – o que permitirá que a pessoa adote um novo estilo de vida e estabeleça ligações saudáveis com o seu meio circundante.

 

Um fator de extrema relevância nestes casos é a motivação para a mudança e para o tratamento, que, apesar de essenciais para o tratamento de qualquer perturbação psicológica, no campo das adições ganha uma especial dimensão – uma vez que o tratamento implica abstinência, o que significa que o individuo tem de interromper o comportamento de jogar. Este fator é importante uma vez que o jogo, geralmente, funciona como estratégia de coping para lidar com estados emocionais negativos, pelo que continuar a jogar irá impedir a consolidação dos ganhos terapêuticos e a aquisição de estratégias mais saudáveis de gestão emocional.

 

Ao planear a intervenção devem ser consideradas as potenciais comorbilidades psiquiátricas, que podem ter influência sobre os comportamentos aditivos e o tratamento, podendo inclusivamente necessitar de intervenção farmacológica. Geralmente, tratamentos que funcionem numa ótica integrativa são mais sucedidos.

 

O envolvimento do sistema familiar pode acarretar uma grande importância no tratamento e recuperação da pessoa viciada em jogo. O tratamento pode envolver psicoeducar a família no que à adição concerne, fornecendo-lhe estratégias para lidar com o membro em recuperação e ser fonte de apoio durante o processo.