A acupuntura, técnica central da Medicina Tradicional Chinesa (MTC), é hoje amplamente utilizada no tratamento da dor, ansiedade, insónia e diversas disfunções funcionais. Apesar da sua origem milenar, a ciência moderna tem vindo a esclarecer como é que a estimulação de pontos específicos do corpo produz efeitos mensuráveis no sistema nervoso, imunitário e circulatório.
O que é a Acupuntura?
Na perspetiva da MTC, a acupuntura regula o fluxo de Qi (energia vital) e o equilíbrio entre Yin e Yang através da inserção de agulhas muito finas em pontos situados ao longo dos meridianos. Quando esse equilíbrio se perde, surgem sintomas como dor, fadiga, tensão muscular ou alterações emocionais. Ao restabelecer a circulação do Qi, a acupuntura promove o retorno à homeostasia.
Do ponto de vista biomédico, a inserção de agulhas ativa recetores na pele, músculos e fáscias, gerando sinais nervosos que se propagam pela medula espinhal e cérebro. Esta estimulação desencadeia uma série de respostas neurofisiológicas que ajudam a explicar muitos dos efeitos clínicos observados.
Principais mecanismos de ação
- Libertação de analgésicos naturais:
A acupuntura estimula a libertação de endorfinas, encefalinas e outros opioides endógenos, substâncias com potente efeito analgésico e modulador da dor. Estudos experimentais demonstraram que a administração de antagonistas dos recetores opioides reduz significativamente o efeito analgésico da acupuntura, sugerindo um papel central destes neuromediadores (Han, 2004, Neuroscience Letters).
- Modulação da dor na medula espinhal e no cérebro
A estimulação dos pontos de acupuntura interfere com a transmissão dos sinais dolorosos ao nível da medula espinhal e de estruturas cerebrais envolvidas na perceção da dor, como o tálamo, córtex somatossensorial e sistema límbico. Estudos de neuroimagem funcional mostram alterações na ativação destas áreas durante e após o tratamento com acupuntura (Hui et al., 2005, Human Brain Mapping).
- Melhoria da microcirculação e redução da inflamação
Localmente, a acupuntura aumenta o fluxo sanguíneo e linfático, favorecendo o aporte de oxigénio e nutrientes e a remoção de substâncias pró-inflamatórias. Alguns trabalhos indicam que a acupuntura pode modular citocinas inflamatórias, contribuindo para um efeito anti-inflamatório em condições crónicas (Zijlstra et al., 2003, Rheumatology).
- Regulação do sistema nervoso autónomo
A acupuntura ajuda a equilibrar o sistema nervoso simpático e parassimpático, o que é fundamental em quadros de stress, ansiedade, insónia, palpitações ou alterações digestivas. Medidas de variabilidade da frequência cardíaca e outros marcadores fisiológicos sugerem uma predominância de respostas parassimpáticas após o tratamento, associadas a relaxamento e recuperação (Middlekauff et al., 2002, Circulation).
- Impacto na esfera emocional e no stress
Ao atuar em áreas cerebrais ligadas às emoções e à resposta ao stress, a acupuntura pode reduzir ansiedade, melhorar o sono e estabilizar o estado emocional. Este efeito é particularmente relevante em doentes com dor crónica, nos quais o componente emocional amplifica a experiência de dor.
Prática clínica e evidência
A eficácia clínica depende de uma avaliação individualizada, seleção adequada dos pontos, técnica segura e regularidade das sessões. Revisões sistemáticas e meta-análises indicam que a acupuntura é superior a placebo e comparável a alguns tratamentos convencionais em várias condições dolorosas crónicas (Vickers et al., 2018, The Journal of Pain). Organismos internacionais, como a Organização Mundial da Saúde, reconhecem a acupuntura como opção terapêutica válida quando realizada por profissionais qualificados.
A acupuntura integra a visão holística da MTC com mecanismos neurofisiológicos bem descritos. Longe de ser “apenas energia” ou “apenas sugestão”, é uma intervenção com efeitos reais sobre o sistema nervoso, a inflamação, a circulação e a forma como o corpo processa a dor e o stress. Quando aplicada de forma adequada, pode ser uma ferramenta poderosa na melhoria da saúde e da qualidade de vida, seja como tratamento principal ou complementar.