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Gravidez em Idade Materna Avançada: Implicações

publicado em 14 Out. 2023

Em Portugal, a idade média materna ao nascimento do primeiro filho tem aumentado nas últimas décadas. Os dados estatísticos comprovam um aumento de 2.1 anos na idade média materna ao nascimento do primeiro filho a cada 10 anos nos últimos 40 anos. As idades médias ao nascimento do primeiro filho em 1960, 1994 e 2022 foram de 25 anos, 29.4 anos e 30.8 anos, respetivamente.

 

São várias as causas para o adiamento da gravidez. Fatores como a elevada densidade populacional nesta faixa etária, mas também a procura de relações estáveis (casamentos tardios), os segundos casamentos, nível educacional mais elevado, carreira profissional, segurança financeira e a grande variedade e eficácia dos métodos contracetivos condicionam de forma crescente gravidezes mais tardias, sobretudo nos países mais desenvolvidos.

 

Apesar da diminuição da fertilidade com o aumento da idade materna, os avanços e sucesso das técnicas de reprodução medicamente assistida também contribuíram para o adiar da maternidade nesta faixa etária. No entanto, não existem apenas desvantagens. Os benefícios associados ao protelar da gravidez mostram tratarem-se de casais emocionalmente mais maduros e financeiramente estáveis e com maior consciência na tomada de decisões relativas à gravidez.

 

A prevalência de doenças crónicas como neoplasias, diabetes, doenças cardiovasculares, renais, autoimunes e obesidade aumentam com o aumento da idade materna; sendo assim, é expectável que mulheres com mais de 35 anos possam ter um aumento de duas a três vezes mais complicações. O tabagismo está associado ao aumento da morbilidade perinatal e morte fetal in útero em todas as faixas etárias; contudo, o risco é ainda mais elevado em fumadoras de longa data.

 

Apesar destes riscos crescentes, os estudos demonstraram bons desfechos perinatais na maioria destas grávidas; contudo, se controladas, as doenças crónicas associadas a uma vigilância obstétrica adequada com intervenção atempada nas complicações, permitem um desfecho favorável e seguro na maioria destas grávidas.

 

Desta decisão conjunta,

  • É essencial discutir os riscos e benefícios para uma gravidez tardia
  • Realçar que apesar das complicações serem mais frequentes nesta faixa etária, a maioria das gravidezes apresenta desfecho favorável
  • Cada caso é único, e a decisão de engravidar em idade avançada deve ser baseada em discussões com profissionais de saúde

Definição: Gravidez em idade materna avançada (IMA)

Classicamente define-se gravidez em IMA como a que ocorre depois dos 35 anos (inclusive). Contudo, a maioria dos estudos e mesmo protocolos de orientação hospitalar definem grávida com IMA aquela em que o parto ocorre com 40 anos ou mais, sendo considerada em idade muito avançada com 45 anos ou mais, ou extremamente avançada a partir dos 50 anos.

 

Em Portugal, cerca de 15% dos nascimentos de primeiros filhos ocorrem nesta faixa etária.

Implicações materno-fetais e neonatais em grávidas com idade avançada

O aumento da idade materna associa-se a um maior risco de:

 

  • Declínio da fertilidade: claramente demonstrado que o avançar na idade materna está relacionado com o prolongar do tempo para conseguir uma gravidez que resulte num parto de um recém-nascido saudável. A taxa de fertilidade começa a diminuir aproximadamente a partir dos 32 anos e torna-se mais pronunciada a partir dos 37 anos.

A diminuição da fertilidade está relacionada com o envelhecimento dos ovócitos (“óvulos”), com a diminuição da reserva dos mesmos nos ovários e com as alterações hormonais resultantes de ciclos em que não ocorrem ovulações (ciclos anovulatórios).

 

  • Gravidez Ectópica: a gravidez ectópica é aquela que ocorre fora do útero (e, portanto, inviável) que acarreta morbimortalidade materna significativa; a idade materna acima dos 35 anos está associada a um aumento do risco de gravidez ectópica de 4 a 8 vezes relativamente a mulheres mais jovens.

 

  • Aborto espontâneo, anomalias cromossómicas e outras malformações congénitas: à medida que a idade da mulher avança, o envelhecimento dos “óvulos” (com consequente diminuição da qualidade dos mesmos) provocam um risco acrescido de erros genéticos, que por sua vez, resultam em alterações cromossómicas com risco de aborto espontâneo (0.8% <35 anos, 1.5% 35-40 anos e 2.2% >40 anos) ou malformações fetais (as malformações cardíacas, por exemplo, são 4 vezes mais frequentes em mulheres com mais de 40 anos).

 

Resumindo, estes abortamentos ocorrem mais frequentemente entre as 7 e as 14 semanas de gravidez, resultando sobretudo, de erros genéticos, da diminuição da qualidade dos óvulos e das alterações hormonais e orgânicas do sistema reprodutor, presentes à medida que a idade aumenta.

 

  • Complicações Médicas: As duas doenças crónicas mais frequentes que podem complicar uma gravidez tardia são a Hipertensão e a Diabetes (pré-gestação e a gestacional).

 

As doenças crónicas são mais frequentes com o avançar da idade, pelo que as mulheres com mais de 35-40 anos, têm mais probabilidade de terem gravidez complicadas pela Hipertensão Arterial (HTA) e/ou pela Diabetes Mellitus (DM), doenças relacionadas frequentemente com a obesidade subjacente.

 

A prevalência da diabetes prévia à gravidez (DM) e da diabetes gestacional (DG) (aquela que aparece durante a gravidez) aumenta com a idade materna; a incidência de diabetes gestacional aumenta 4 vezes em idades superiores a 40 anos. A DM está associada ao aumento do risco de malformações fetais, mortalidade e morbilidade fetais, enquanto que a DG associa-se ao aumento do risco de macrossomias (fetos com peso muito elevado) com todas as consequências que essa situação clínica pode condicionar (risco maior de desenvolver diabetes e obesidade na idade adulta desses bebés e todas as consequências traumáticas possíveis relacionadas com o parto). Nas mulheres com diagnóstico de Diabetes Gestacional existe um risco aumentado de desenvolver diabetes tipo 2 no futuro; portanto, mesmo os bebés nascidos de mães com diabetes gestacional, apresentam um risco de obesidade e diabetes na idade adulta.

 

  • Problemas Placentários: a prevalência de problemas placentários, tais com placenta prévia (placenta “baixa”) e descolamento de placenta normalmente inserida (DPPNI) estão aumentados em mulheres de IMA. Este aumento é ainda superior nas mulheres multíparas (mães que já tiveram mais filhos) relativamente às nulíparas (primeira gravidez). As mulheres nulíparas com mais de 40 anos têm 10 vezes mais risco de placenta prévia relativamente a mulheres nulíparas entre os 20 e os 29 anos. Estas situações aumentam o risco de hemorragia grave e de cesarianas urgentes.

 

  • Complicações Obstétricas / Fetais / Neonatais: a gravidez em IMA associa-se mais frequentemente a complicações resultantes das situações hipertensivas e de diabetes que podem condicionar situações de fetos com alterações do crescimento (quer restrição ou aumento excessivo, isto é, restrição de crescimento fetal ou macrossomia, respetivamente) ou alterações da inserção da placenta (por exemplo, existe mais risco de placenta “baixa”, isto é, prévia); todas as condições clínicas descritas são potenciais causadoras de partos ocorridos antes do termo (37 semanas) ou mesmo em idades gestacionais inviáveis.

 

  • Gravidez múltipla:  existe maior risco de gravidez múltipla nestas faixas etárias devido ao crescente recurso a técnicas de reprodução medicamente assistida e a alterações hormonais mais acentuadas, que podem provocar um maior estímulo súbito na produção de óvulos.

 

  • Cesariana: as mulheres com idades superiores a 35-40 anos têm maior risco de partos por cesariana por vários motivos. Podem resultar da maior incidência de complicações médicas e obstétricas associadas com necessidade de finalização da gravidez em alturas em que as condições locais do colo do útero estão desfavoráveis ao início do trabalho de parto; por outro, este aumento também se pode dever à disfunção do músculo uterino, que, tal como os restantes músculos corporais, sofre os efeitos do envelhecimento e das próprias doenças associadas (por exemplo, a presença de fibromiomas) que causam trabalhos de parto mais prolongados e maior número de partos ‘instrumentados’ (ventosas ou fórceps) e cesarianas.

 

  • Morbilidade e mortalidade perinatais: vários estudos comprovam que as gestações em mulheres com idades avançadas estão relacionadas com um aumento de fetos e recém-nascidos leves para a idade gestacionais (“baixo peso”) e de partos ocorridos antes das 37 semanas (pré-termo).

 

O risco de morte do feto sem qualquer malformação ainda dentro do útero da grávida também está aumentado, mesmo reunindo a normalidade de todos as condições médicas e obstétricas acima descritas. Os estudos comprovaram que a mortalidade do feto antes do parto é maior a partir das 38-39 semanas de gravidez, pelo que as guidelines internacionais recomendam a finalização eletiva da mesma por volta das 39 semanas.

 

  • Mortalidade materna: o risco global de mortalidade materna durante a gravidez e o parto é muito baixo nos países industrializados, sendo o efeito da idade materna desprezível. No entanto, nos países em vias de desenvolvimento, a mortalidade materna constitui ainda um problema; a falta de cuidados de saúde adequados, idade avançada e multiparidade contribuem substancialmente para as perdas maternas.

 

Fique a saber mais sobre a Preparação da Gravidez em idade Materna Avançada em: TS-ConsultaDePreConcecao

 

Referências
Fretts CR, et al. “Management of pregnancy in patients of advanced age” www.uptodate May 2023
Fretts CR, et al. “Effects of advanced maternal age on pregnancy” www.uptodate May 2023
Valente P, Carvalho Rui. Idade maternal avançada. Protocolo de Obstetrícia – Hospital de Santa Maria. junho 2021
Attali E., Yogev Y, et al. “The impact of advanced maternal age on pregnancy outcome”. Clinic Obstetrics and Gynaecology – Best Practice. 2020
Hardy T, Armstrong L, Khambalia A, et al. "Advanced Maternal Age and Adverse Pregnancy Outcomes: A Systematic Review and Meta-Analysis." PLOS ONE. 2018; 13(10):e0206287
Marques B., Palha F., Moreira E., Saldanha J., et al. “Ser Mãe Depois dos 35 anos: Será Diferente?” Acta Med Port 2017 Set; 30(9): 615-622
Carvalho MR., Araújo C. “A gravidez nos extremos de vida reprodutiva”. Medicina Materno-Fetal. 168-172 (2010)