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Um doente alcoólico tem todas as soluções

publicado em 03 Nov. 2022

Enquanto problemática associada aos consumos excessivos e dependências, concorda que o álcool será a substância que mais prejudica a saúde dos portugueses?

Sim, na nossa comunidade e, em particular, nesta zona tão próxima do Porto e do Minho, temos problemas relacionados com o álcool de extrema gravidade, espalhados quase como se fosse algo natural e aceite por muita gente, mas que traduzem casos de dependência extremamente graves. Muitas vezes, as pessoas começam a beber porque estão tristes ou porque não dormem e, depois, ficam dependentes.

Será o álcool uma substância depressora ou estimulante?

É uma substância depressora, mas, na primeira fase, dá uma certa euforia e, por isso, as pessoas acham que ficam mais alegres e desinibidas se beberem. Há uma parte de nós que desliga e nos dá uma certa “força animal”… mas é um depressor.

Por vezes, confunde-se tristeza com depressão... é uma distinção também complicada de identificar para vocês, profissionais de saúde?

Sim, é muito difícil porque estamos num momento da sociedade em que tudo passa a ser médico. Não podemos envelhecer porque já é uma doença, não podemos ter a menopausa porque já é uma doença, também já não podemos estar tristes porque já é uma doença. De facto, é uma questão muito complicada. Para nós, psiquiatras, tem que aparecer uma série de outros sinais para além da tristeza, como a pessoa deixar de funcionar, de dormir, de ter prazer ou até que queira matar-se ou pense muito na morte para estarmos realmente perante um quadro de depressão. Portanto, para nós, acaba por ser mais fácil distinguir se se trata de uma tristeza patológica ou normal, mas, de facto, há um certo medo de sentir qualquer tipo de dor ou emoção complicada e até da tristeza

Que relação existe entre o álcool e o suicídio?

Muitas vezes, pessoas que estão tristes e que estão a pensar fazer mal a si próprias e não têm coragem, bebem para ficarem desinibidas e tentarem cometer um ato de loucura contra si próprias. Muitas vezes também, pessoas que têm dependência e não percebem que esta é uma doença tratável, ficam tão chateados consigo próprias, pelo mal que fazem à família e aos demais, que acabam por matar-se porque não conseguem sair daquele ciclo. Em suma, é uma relação que tem vários aspetos facilitadores, mas também pode provocar muitas outras direções.


INTERNAMENTO PSIQUIÁTRICO disponível no

Trofa Saúde Hospital Central (em Vila do Conde)

 


 

Que ferramentas existem para tratar dois quadros diferentes, o consumo excessivo e o consumo dependente?

Desde logo, estamos perante uma droga que é aceite e, portanto, quer o consumo excessivo, quer o consumo dependente são já formas complicadas e caminhos para situações de doença, até porque o álcool desencadeia problemas muito graves. Mesmo que só beba ao fim-de-semana, posso ter problemas muito graves, relacionados com acidentes, violência, entre outros. Claro que o álcool origina problemas muito antes de se ter uma dependência instituída, ou seja, na prática, a abordagem deve ser já séria nas duas situações e quando digo séria refiro-me a medicamentosa, de psicologia, comunidades terapêuticas, grupos de apoio… porque os problemas associados ao álcool são muito precoces e não se resumem à questão de deixar passar porque se bebe apenas de vez em quando. Do ponto de vista da psiquiatria, devemos tratar seriamente as duas situações.

Como se “promove” a abstinência?

Embora muitas pessoas gostem de fazer as abstinências em casa, em teoria, sobretudo quando há dependências graves, deve ser feita em regime médico. Até porque a pessoa pode ter uma epilepsia, um delirium tremens ou uma hemorragia e aí convém ser num ambiente protegido. No entanto, há formas de ajudar as pessoas a libertarem-se em casa, se tiverem vigilância, dando benzodiazepinas, baclofeno ou outras substâncias sedativas. Ou seja, há formas de promover a abstinência em casa desde que a pessoa tenha alguma supervisão.

Será um doente alcoólico um alcoólico para toda a vida? Não tem solução?

Um doente alcoólico tem todas as soluções. Tem é que perceber que ficou com uma relação difícil para todo o sempre com aquela substância. Ele não é alcoólico para todo o sempre, tem é essa relação difícil. É um estigma complicado mas já assisti a várias situações de pessoas que estão dependentes durante algum tempo e, após dois, três ou quatro anos de tratamento, para surpresa de todos nós, voltam a um padrão de beber normal. Isso existe mas prefiro que seja uma surpresa e assumir sempre com a pessoa que deve respeitar muito a substância.

Também tratam aqui a prevenção da recaída?

Exatamente. Aceitando que a recaída faz parte do processo.

O álcool é ou não um problema de saúde pública?

Sem dúvida nenhuma! É um problema de saúde pública! Continua a haver muitas mortes por paragens cardíacas induzidas pelo álcool, acidentes… é impressionante. Agora, como em quase tudo, é uma substância negra com a qual temos que viver porque proibir não será a solução.

Entrevista realizada pela Revista Dependências ao Dr. Jacinto Costa Azevedo, coordenador do Hospital de Neurociências no Trofa Saúde Hospital Central.

Edição de Outubro 2022.

Neurologia
Hospital de Neurociências
Serviço de urgência psiquiátrica com internamento psiquiátrico
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